* Advogado, bacharel em Direito pela Universidade Católica do Salvador, Pós graduando em Direito Eleitoral pela Faculdade Baiana de Direito, Juiz Efetivo do Tribunal Regional Eleitoral da Bahia 2017/2019, Ex-Procurador Geral do Município de Madre de Deus.
A Lei nº. 13.165/2015 revogou o art. 81 da Lei nº. 9.504/97 (Lei Geral das Eleições), que previa a contribuição de pessoas jurídicas para as campanhas eleitorais.
Entretanto, considerando que as pessoas físicas podem reunir seus bens perante uma sociedade patrimonial, a qual apenas gere os bens dos sócios que a integram, considerando que o candidato poderá usar recursos próprios em sua campanha até o limite de gastos estabelecido para o cargo ao qual concorre, conforme o disposto no § 1º do art. 29 da Resolução/TSE nº. 23.553/2017 (Lei nº 9.504/1997, art. 23, §1º) e considerando, ainda, que o § 7º do art. 23 da Lei nº. 9.504/97 permite que qualquer pessoa física possa efetuar doações estimáveis em dinheiro relativas à utilização de bens móveis ou imóveis de propriedade do doador até R$ 40.000,00 (quarenta mil reais), de acordo com a redação dada pela Lei nº 13.488, de 2017, indaga-se:
“O candidato pode usar, durante a campanha eleitoral, bem de sua propriedade, que integra pessoa jurídica patrimonial da qual é sócio, já que este, em verdade, compõe o seu patrimônio pessoal?”
Ante o fato, importante observar e distinguir “pessoa” e “candidato”, que assim se interpreta:
[i] pessoas físicas podem reunir seus bens perante uma sociedade patrimonial, a qual apenas gere os bens dos sócios que a integram;
[ii] candidato poderá usar recursos próprios em sua campanha até o limite de gastos estabelecido para o cargo ao qual concorre, conforme o disposto no § 1º do art. 29 da Resolução TSE nº. 23.553/2017 (Lei nº 9.504/1997, art. 23, §1º); e
[iii] qualquer pessoa física poderá efetuar doações estimáveis em dinheiro relativas à utilização de bens móveis ou imóveis de propriedade do doador até R$ 40.000,00 (quarenta mil reais), de acordo com o § 7º do art. 23 da Lei nº. 9.504/97, na redação que lhe dera a Lei nº 13.488, de 2017.
A questão trazida a lume guarda conexão com a possibilidade de candidato em campanha eleitoral poder usar recursos próprios, consoante disciplina da Resolução TSE nº. 23.553/2018, que dispõe “sobre a arrecadação e os gastos de recursos por partidos políticos e candidatos e sobre a prestação de contas nas eleições”, da qual importa destacar seus arts. 22, 29 e 33:
“Art. 22. As doações de pessoas físicas e de recursos próprios somente poderão ser realizadas, inclusive pela internet, por meio de:
I – transação bancária na qual o CPF do doador seja obrigatoriamente identificado;
II – doação ou cessão temporária de bens e/ou serviços estimáveis em dinheiro, com a demonstração de que o doador é proprietário do bem ou é o responsável direto pela prestação de serviços;
III – instituições que promovam técnicas e serviços de financiamento coletivo por meio de sítios da internet, aplicativos eletrônicos e outros recursos similares.
- 1º As doações financeiras de valor igual ou superior a R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos) só poderão ser realizadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação.
- 2º O disposto no § 1º aplica-se também à hipótese de doações sucessivas realizadas por um mesmo doador em um mesmo dia.
- 3º As doações financeiras recebidas em desacordo com este artigo não podem ser utilizadas e devem, na hipótese de identificação do doador, ser a ele restituídas ou, se isso não for possível, recolhidas ao Tesouro Nacional, na forma prevista no caput do art. 34 desta resolução.
- 4º As consequências da utilização dos recursos recebidos em desacordo com este artigo serão apuradas e decididas por ocasião do julgamento da prestação de contas.
- 5º É vedado o uso de moedas virtuais para o recebimento de doações financeiras.
[…]
Art. 29. As doações realizadas por pessoas físicas são limitadas a 10% (dez por cento) dos rendimentos brutos auferidos pelo doador no ano-calendário anterior à eleição (Lei nº 9.504/1997, art. 23, § 1º).
- 1º O candidato poderá usar recursos próprios em sua campanha até o limite de gastos estabelecido para o cargo ao qual concorre, devendo observar, no caso de recursos financeiros, o disposto no § 1º do art. 22 desta resolução (Lei nº 9.504/1997, art. 23, §1º).
- 2º O limite previsto no caput não se aplica a doações estimáveis em dinheiro relativas à utilização de bens móveis ou imóveis de propriedade do doador ou à prestação de serviços próprios, desde que o valor estimado não ultrapasse R$ 40.000,00 (quarenta mil reais) (Lei nº 9.504/1997, art. 23, § 7º).
- 3º A doação acima dos limites fixados neste artigo sujeita o infrator ao pagamento de multa no valor de até 100% (cem por cento) da quantia em excesso, sem prejuízo de o candidato responder por abuso do poder econômico, nos termos do art. 22 da Lei Complementar nº 64/1990 (Lei nº 9.504/1997, art. 23, § 3º).
- 4º O limite de doação previsto no caput será apurado anualmente pelo Tribunal Superior Eleitoral e pela Secretaria da Receita Federal do Brasil, observando-se os seguintes procedimentos:
[…]
- 5º A comunicação a que se refere o inciso III do § 4º se restringe à identificação nominal, seguida do respectivo número de inscrição no CPF, Município e UF fiscal do domicílio do doador, resguardado o sigilo dos rendimentos da pessoa física e do possível excesso apurado.
- 6º Para os Municípios com mais de uma zona eleitoral, a comunicação a que se refere o inciso III do § 4º deve incluir também a zona eleitoral correspondente ao domicílio do doador.
- 7º A aferição do limite de doação do contribuinte dispensado da apresentação de Declaração de Ajuste Anual do Imposto de Renda deve ser realizada com base no limite de isenção previsto para o exercício financeiro do ano da eleição.
- 8º Eventual declaração anual retificadora apresentada à Secretaria da Receita Federal do Brasil deve ser considerada na aferição do limite de doação do contribuinte.
- 9º Se, por ocasião da prestação de contas, ainda que parcial, surgirem fundadas suspeitas de que determinado doador extrapolou o limite de doação, o juiz, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, determinará que a Secretaria da Receita Federal do Brasil informe o valor dos rendimentos do contribuinte no ano anterior. (Os grifos são adicionais).
[…]
Art. 33. É vedado a partido político e a candidato receber, direta ou indiretamente, doação em dinheiro ou estimável em dinheiro, inclusive por meio de publicidade de qualquer espécie, procedente de:
I – pessoas jurídicas;
II – origem estrangeira;
III – pessoa física que exerça atividade comercial decorrente de permissão pública.
- 1º A vedação prevista no inciso III não alcança a aplicação de recursos próprios do candidato em sua campanha. (O grifo é adicional).”
Noutro ângulo, considerando que os recursos próprios a serem eventualmente utilizados pelo candidato em tese integram “pessoa jurídica patrimonial” da qual é sócio o referido candidato, como gizado na Consulta, e para melhor esclarecer e delimitar a matéria, pertinente trazer à baila a definição conceitual do ente jurídico expresso na locução “pessoa jurídica patrimonial”.
O Código Civil[1], em seis incisos do art. 44, classifica como sendo pessoas jurídicas de direito privado as associações (I), as sociedades (II), as fundações (III), as organizações religiosas (IV), os partidos políticos (V) e as empresas individuais de responsabilidade limitada (VI), não havendo no referido compêndio normativo referência explicita à “pessoa jurídica patrimonial”.
Da literatura especializada, por todos Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald[2], citando Maria Helena Diniz (Curso de Direito Civil Brasileiro, op. cit., p. 206) ─ no sentido de ser a pessoa jurídica “unidade de pessoas naturais ou patrimônios, que visa a consecução de certos fins, reconhecida essa unidade como sujeito de direitos e obrigações” ─, concebem os mencionados doutrinadores que a pessoa jurídica é “um todo, um organismo, formado pelos ideais de pessoas naturais (ou destinação de um patrimônio afetado para um fim especifico), tendente a realizar funções específicas”, sendo mister que […] “a unidade de pessoas ou a afetação de bens almeje emprestar uma unidade orgânica a uma entidade a que a ordem jurídica reconhece personalidade jurídica própria”.
Acrescem Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald[3], que a pessoa jurídica “poderá ser intersubjetiva ou patrimonial. Aquela (intersubjetiva) é constituída pela união solene de duas ou mais pessoas com o escopo de formar uma entidade autônoma e independente. Esta (patrimonial) corresponde à afetação de um patrimônio destinado a um fim específico. Naquelas, preponderam as pessoas. Nestas, o patrimônio dirigido a uma finalidade”. O sublinho é adicional.
Por fim, asserem os preditos doutrinadores que “a nota distintiva da pessoa jurídica é a distinção entre o seu patrimônio e o dos seus instituidores, não se misturando a condição jurídica autonomamente conferida àquela entidade com a de quem lhe organizou. É o que se percebe com nítido colorido da simples – e ainda que perfunctória – leitura do art. 47 do Código Civil.”.
Nesse contexto, conquanto seja possível a candidato em campanha eleitoral fazer uso de seus recursos próprios ─ sejam eles em moeda corrente nacional ou estimáveis em dinheiro (decorrentes do uso de bens móveis ou imóveis de propriedade do doador ou ainda mediante à prestação de serviços próprios, na forma e limites fixados na legislação de regência, no caso a Resolução TSE nº. 23.553/2017, o cotejo desse normativo frente à situação em tese estampada na consulta, em meu sentir, não autoriza candidato a utilizar-se de recursos que integrem ou estejam vinculados à pessoa jurídica, ainda que seja ela patrimonial.
O fato de se tratar de “pessoa jurídica patrimonial”, integrada por bem de propriedade de candidato e ainda que figure este como seu sócio, em nada muda a situação, considerando a distinção entre o patrimônio da pessoa jurídica e do patrimônio de eventual sócio, seu instituidor, como antes precisamente assinalado.
Na hipótese de determinado candidato pretender dispor durante a campanha eleitoral de bem que integre o acervo patrimonial de pessoa jurídica, da qual seja o candidato sócio ou não, deverá, necessariamente, estar o bem passível de utilização pelo candidato totalmente desvinculado do patrimônio da pessoa jurídica, sob pena de flagrante violação do art. 33, I, da Resolução TSE nº. 23.553/2017.
[1] BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em:
< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2002/L10406.htm >. Acesso em: 03 abr. 2018.
[2] FARIAS, C. C.; ROSENVALD, N. Curso de Direito Civil Parte Geral e LINDB, v. 1, 13a ed., revista, ampliada e atualizada. São Paulo: Editora Atlas S.A. – 2015, p. 336/338.
[3] FARIAS, C. C.; ROSENVALD, obra citada, p. 264.